Um dia o Hugo desapareceu de casa… ele já ameaçara: “Quando fizer 18 anos “bazo”… e assim fez!
O Hugo era um menino que eu conhecera aos 7 anos de idade numa instituição de acolhimento de crianças vítimas de abandono e maus-tratos. Demasiado pequeno para a idade, franzino e doente, os seus olhos, grandes e assustados, reflectiam todo o drama da sua curta e sofrida existência. Pela mãe havia sido abandonado numa Pensão do Cais do Sodré. A polícia chamada ao local, levara-o e encaminhara-o para um centro de acolhimento de crianças em risco. De saúde frágil, passou grande parte da sua meninice entre hospitais, lares e casas de familiares ausentes, nos afectos e nos carinhos. De novo entregue à família, de novo seviciado e violentado… o regresso à casa que o acolhera. Este ciclo de dor e sofrimento haveria de se repetir vezes sem conta… A sua história comoveu-me. Por aquela criança apaixonei-me e haveria de seguir as suas pisadas até hoje…
Nos estereótipos técnicos o Hugo foi taxado como “comportamento desviante e problemático”… Na verdade ele era um jovem abandonado da sorte. Um “desamado”. Eu sempre vira nele uma espécie de clandestino da vida, alguém que iria passar toda a sua existência na fila de espera e que morreria antes de chegar ao guichet de atendimento.
Mas o Hugo desaparecera… e durante anos não soube dele…
Até que um dia, quis a sorte ou o acaso do destino, que me encaminhasse para um albergue dos “sem-abrigo” em Lisboa. E lá reencontrei o Hugo… faces macilentas, os mesmos olhos assustadiços, baços, já sem o brilho de outrora, o rosto de menino ainda, mas terrivelmente marcado pela vida, pelo vicio, pelo sofrimento. Um rosto igual a tantos outros que lá arrastam a sua existência…. Sem conseguirem chegar ao tal guichet do atendimento…
Hoje o Hugo, quase vinte anos volvidos, desde o nosso primeiro encontro, continua a viver, clandestinamente, a sua vida dentro de instituições de recuperação de jovens de “comportamento desviante e problemático”… atrás de grades de prisões longínquas e miseráveis e eu dou comigo a pensar - a saudade a roer-me alma - e a perguntar porque razão os “Hugos” deste mundo, os deserdados da fortuna, os clandestinos da sorte, terão que ser, necessariamente, os Filhos de um Deus Menor…
8 comentários:
Depois de voltar a ler a "história" que eu tão bem conheço, apenas te posso enviar um beijo solidário para te confortar a alma, embora saiba que a "saudade te irá roe-la" até ao fim dos teus dias...
Fizeste tudo o que é humanamente possivel para que o Hugo deixasse de ser Um Filho de Um Deus Menor...
India
Ontem estive a ver, na televisão, o nascimento de um panda em cativeiro.
Nasce muito pequenino, com escassos centímetros, tão pequenino que a mãe é obrigada a ficar sem comer e sem beber durante duas ou três semanas só para se dedicar a ele, segurando-o, aquecendo-o, quase como um marsupial sem bolsa.
Se a mãe o largasse, ele morreria ou, caso fosse tratado por outros, cresceria débil e doente porque não há cuidados capazes de preencher o vazio que se instala quando aqueles que deveriam cuidar de nós, não o fazem.
Nós, humanos, podemos não morrer por fora, mas morremos por dentro. E todo o amor que nos é disponibilizado à posteriori cai em saco tão fundo que é quase como se estivesse roto.
Um beijinho
Meu caro amigo, concordo com Antígona, como é importante a presença de uma mãe!!!
A falta de amor deixa o nosso mundo sombrio...
Abraços
Lella
O Hugo foi acolhido e amado por uma família que se sensibilizou com a sua situação de abandono e fragilidade.
Foi acarinhado e ama a sua família adoptiva à sua maneira.
Este foi o caminho escolhido por ele naquele momento. Provavelmente terá que aprender à custa dos seus erros. Talvez até já tenha aprendido. O Hugo continua a precisar do teu apoio. Confia nele e olha para o seu lado bom, porque isso vai ajudá-lo a converter-se numa pessoa de bem.Não deixes de confiar no Hugo, a confiança é muito positiva.
Um abraço.
Graça Sousa
Talvez o Hugo tenha tido sorte em te ter conhecido, um dia perceberá.
Bjs
Entristeci!
E me solidarizo com o teu sofrer. Não conheço o "caso" e , por isso não dou opinião. Apenas te posso dar meu apoio moral...
Força e não desistas...
bj BShell
Que história triste a do Hugo! :-((
Tantos Hugos que andam perdidos no mundo...
Abraço
Conheço muito bem este problema, da escola. São crianças e pessoas muito traumatizadas, com a alma cheia de cicatrizes que nunca saram, incapazes de se equilibrarem. Precisavam de um constante apoio psicológico, mesmo que aparentemente parecesse náo resultar.
Deve ser importante para ele saber que pode contar contigo de uma forma incondicional.
Lamento muito, por ele e por ti.
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