sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O MUNDO MÁGICO DAS PLANTAS - A BOTÂNICA FUNERÁRIA

O mundo mágico e oculto das plantas não se circunscreve às mezinhas e benzeduras, à prática de rituais que envolvem a magia e a feitiçaria. Há um campo que talvez passe despercebido, de tal maneira está entranhado na nossa vivência diária. Refiro-me à relação do mundo vegetal com uma das grandes incógnitas da existência humana: a morte.
Ciprestes na entrada do Cemitério de Arrentela - Seixal
A sua forma longilínea lembra dedos apontando os céus,
Quase todas as culturas utilizam as plantas para celebrar a morte. Estranhamente, raro é alguém celebrar o nascimento e a vida com oferenda de flores. Outro tanto não se pode dizer no que à morte diz respeito. Existe mesmo uma arte floral especializada para essa celebração. As próprias árvores são exemplos flagrantes da sua ligação à botânica funerária. Na verdade, elas oferecem-nos o lenho com que se constrói o caixão. Essa madeira deve ter, segundo a tradição, duas características fundamentais: A incorruptibilidade e o aroma sagrado. Estas duas virtudes vamos encontrá-las no Cedro. Diz-se que o perfume desta árvore afasta os vermes das tumbas e a muito longa vida da madeira simboliza a eternidade.
Outra árvore desde sempre ligada ao culto dos mortos é o Cipreste. É comum encontrá-lo à entrada dos cemitérios. O seu porte sereno, longilíneo  e erecto representa um dedo apontando o céu. Existe mesmo uma nação, Chipre, cujo nome deriva de Cipreste. Nesta ilha, os habitantes, em épocas remotas, renderam culto a esta árvore.
Na Antiguidade as castanhas eram considerada alimento do
mortos e colocadas nas urnas.
Também o Castanheiro está ligado ao mundo funerário. Os seus frutos, as castanhas, amadurecem por altura do Dia de Finados. Na Antiguidade as castanhas eram utilizadas como alimento dos mortos na sua longa viagem rumo ao Paraíso.
Na Alemanha, é o Amieiro, a árvore funerária por excelência. Goethe, no seu poema Erlenkönig (O Rei dos Amieiros), conta a história de um pai que viu o seu filho morrer-lhe nos braços depois deste ter visto, durante uma noite de temporal, o sinistro Rei dos Amieiros.
As ligações das plantas ao mundo do fantástico e da morte estão presentes em inúmeras culturas. Os Celtas, com uma cultura fortemente ligada ao mundo vegetal, cobriam os seus mortos com flores e folhas e depois da urna fechada, voltavam a cobri-la de flores e folhas.
O Loendro é, na Sicilia, a planta funerária. Na Rússia é hábito cobrir-se os mortos com ramos de Pinheiro e Abeto.
Violetas. A flor que representa a Paixão, a Humildade e a Dor.
Entre as árvores típicas de uma necrópole, a Palmeira também tem um lugar de destaque. A palma é frequentemente vislumbrada nos primeiros cemitérios cristãos.
Existe mesmo uma obra literária editada em Espanha em 1885, cujo autor, Celestino Barallat y Falguera, um advogado e escritor, nos dá a sua perspectiva sobre o culto dos mortos. Este homem, como que numa predestinação, viria a falecer no Dia de Finados de 1905.
Flores sempre presentes...
Para Barallat, as cores de um cemitério devem ser, exclusivamente, duas: o verde das plantas e o branco das lápides.. O verde representa a regeneração da Primavera, logo, a imortalidade da alma. O branco, a pureza e a humildade.  Para ele há flores, cuja cor está perfeitamente associada à dor e ao luto. É o caso da Violeta. Ela representa a humildade e a modéstia, virtudes que encaixam perfeitamente na ideia da finitude da vida. Em sarcófagos egípcios foram encontrados amuletos de cor violácea, também a cor que os reis de França usavam nos seus lutos. Crê-se que os hábitos de certos dignitários da Igreja, são de cor violeta porque isso os induz a terem sempre presente a ideia da morte na sua forma mais sagrada. 

domingo, 9 de fevereiro de 2014

NEEM, A ÁRVORE DA VIDA

Nas minhas deambulações por São Vicente e Santo Antão - Cabo Verde, encontrei inúmeros exemplares desta árvore. Neem, de seu nome científico Azadirachta indica. Como nos diz o seu segundo nome científico, é uma árvore nativa da India, onde chega a ser considerada sagrada.
Neem numa rua do Mindelo - São Vicente
É uma árvore de "corpo inteiro", na verdadeira acepção da palavra. 
Extremamente resistente à seca, às pragas e às doenças, é medicinal "da cabeça aos pés", melhor dizendo, desde as sementes, folhas até à casca do caule. Na industria farmacêutica, os seus componentes tratam maleitas da pele, acne, infecções de origem fúngica, eczemas. Os seus princípios activos são utilizados no tratamento da hepatite da úlcera do estômago, actuando na regeneração da mucosa gástrica.  Um estudo da Universidade da UCLA  (Universidade da Califórnia, Los Angeles), demonstrou que extractos desta árvore reduzem a incidência da cárie dentária.
É uma das plantas medicinais mais usadas na Medicina Ayurvédica (medicina tradicional indiana). É purificadora do sangue, actuando no controle dos níveis de glicémia.
Mas não se fica por aqui o potencial desta árvore. É um dos principais pesticidas naturais. As suas folhas fervidas dão origem a um chá que, diluído em água, tem acção curativa sobre outras plantas atacadas. O óleo extraído, por prensagem, das suas sementes, também é um excelente controlador biológico de pragas e doenças.
Para terminar, apenas refiro que as suas folhas são usadas como condimento na culinária tradicional indiana e a sua madeira usada em alta marcenaria.

Neem a pouco mais de 500 metros do mar em Porto Novo - Santo Antão
Frutos de Neem
Eu sei que estas longas dissertações sobre plantas são fastidiosas. Qualquer pessoa pode encontrar este arrazoado de palavras, na net ou em qualquer livro da especialidade. Há blogues a mais a falar sobre o tema. Apesar disso, o que me levou a abordar o assunto, não foi propriamente a pretensão de informar, muito menos de ensinar seja o que for. Foi deliberadamente que me alonguei na descrição das virtudes  da Neem. Como atrás digo, é uma árvore que se adaptou perfeitamente ao solo seco e pobre das ilhas caboverdeanas. Nas ruas do Mindelo ou de Porto Novo existem exemplares magníficos e também na faixa litoral. As sementes caem no chão e germinam com a maior facilidade. Estranhamente, que eu saiba, o potencial desta árvore é completamente ignorado. O repovoamento florestal das zonas áridas e semi-áridas destas duas ilhas (e das outras ilhas do arquipélago) é feito maioritariamente utilizando 8 variedades de Acácias, algumas delas espécies potencialmente invasoras, que se propagam facilmente, tornando-se
verdadeiras pragas, como se pode verificar em S. Vicente e Santo Antão. Mesmo acreditando que o gado caprino existente, as possa utilizar como alimento.  
                                                                           
Acácias invadindo um campo de lava vulcânica em Santo Antão

As cabras recusam-se a comer esta variedade de Acácia que, aos poucos,
 vai colonizando um campo de magma.

É certo que as Acácias sobrevivem  em condiçõesde secura extrema e têm um crescimento rápido. Ajudam a fixar e a regenerar os solos e podem ter interesse na produção de mel por via das suas flores melíferas,  mas, em contrapartida, têm uma vida demasiado curta, nalguns caso não ultrapassando os 15/20 anos, um potencial económico diminuto,  para já não falar na tua tendência altamente invasiva.

Colocando nos pratos da balança a relação benefício/prejuizo, olhando para os campos das ilhas, ora desertos, ora cobertos de Acácias e relendo o rol de potenciais  qualidades que acima debito, do alto da minha ignorância, deixo uma simples pergunta: Porque não apostar definitivamente na produção de Neem?